O Roskilde de toda a gente
O Roskilde de toda a gente é um óptimo reflexo da hipocrisia Dinamarquesa. A Dinamarca, apesar de ter um maravilhoso sistema de segurança social e parecer um paraíso para pessoas como eu, que vêm de países menos desenvolvidos, também tem as suas incongruências. E uma boa parte delas é levada ao extremo em Roskilde.
À primeira vista, a ideia de que a Dinamarca é um paraíso parece espelhada na forma como o festival está organizado. Há chuveiros de água quente, papel higiénico e sabonete para todos os campistas, casas-de-banho ajeitadas e com autoclismo no recinto do festival, muita segurança, os concertos começam invariavelmente a horas, a quantidade de luzes em cada palco impressiona, e os preços de comida, bebida e demais bens à venda no recinto é semelhante ao preço das mesmas coisas em Copenhaga. Além disso, existem, no recinto do festival, áreas temáticas, que querem chamar a atenção para causas sociais e outras, na tentativa de fazer deste festival um evento com moral. Uma dessas áreas chama-se "zona da sustentabilidade." Aqui, os copos usados nos bares são reutilizáveis e o reenchimento do mesmo sai mais barato do que a compra de um novo, fala-se de poupança de energia e de como Roskilde é um festival "verde e sustentável."
Na Dinamarca, como numa série de outros países, garrafas de plástico e vidro e latas devolvem-se nas lojas em troca do dinheiro da tara. Uma das consequências deste tipo de sistema é a existência de "coleccionadores de latas." Estas são pessoas que andam pela cidade ou pela área de um certo evento, a coleccionar as latas e garrafas daqueles que não querem guardar o recipiente vazio para devolver na loja. Fazem desta maneira, segundo dizem, muito dinheiro, apesar de trabalharem muitas horas. É uma profissão que não é reconhecida e que ocupa muitos emigrantes ilegais na Dinamarca. Em Roskilde há uma legião. Compram o bilhete do festival, acampam, e coleccionam milahres e milhares de latas e garrafas durante o evento. Uma boa parte dos coleccionadores de latas em Roskilde são ciganos verdadeiramente nómadas que vêm à Dinamarca só mesmo para fazer dinheiro assim durante Roskilde. Depois voltam a por-se à estrada. Há quem diga que eles andam de festival em festival, na Europa Central e do Norte, a fazer dinheiro assim. Graças a estas pessoas, a reciclagem de boa parte desses desperdícios é assegurada. E poucos contribuem tanto para um Roskilde "verde" como eles contribuem.
O discurso do festival sustentável é mais um discurso do que uma realidade, pelo menos pelo que se consegue ver. Em toda a área do festival não à contentores para lixos de tipos diferentes e o grande caixote do lixo é o chão. Centenas de voluntários têm como função, precisamente, juntar o lixo em cada palco depois de cada concerto. Mas o que mais choca, e a maior incongruência deste festival, não é a falta de contentores de lixo ou a não preocupação real coma reciclagem. A mior incongruência é a quantidade e tipo de desperdício. O que é de Roskilde fica em Roskilde. Isto significa deixar todo o tipo de coisas para trás, desde tendas e sacos-cama novos a comida e bebidas. Roskilde depois do festival é uma área onde parece ter acontecido o apocalipse. Tudo é lixo, tudo é deixado para trás. O desperdício é assustador. E nada é reciclado.
Depois de assistir a tal cenário, é dificil não achar hipócrita a preocupação com o ambiente tanto apregoada durante o festival.