O Consulado
Nunca tinha estado num consolado, até hoje. Até tinha alguma curiosidade. O que encontrei foi uma coisa bem diferente do que estava à espera, algo quase kafkiano, diria.
O prédio onde está instalado o consulado fica entre um restaurante chinês, um museu taurino, uma loja de desporto e uma loja de roupa interior feminina. É um prédio de habitação. Cada campaínha indica o andar e a letra que corresponde a cada apartamento, excepto a do consulado. A campainha do consulado tem, por cima do mostrador do andar e letra, de maneira a que estes não sejam visíveis, um pequeno papel escrito à mão e já ligeiramente borratado pela chuva. O papel diz "consulado". A campaínha, na verdade, nem é necessária porque a porta está aberta.
O hall de entrada é amplo e lembra, por qualquer razão, os anos 70. Existe um cubículo que diz "porteiro", bem iluminado, mas não existe porteiro. Junto à janelinha desse cubículo, numa placa dourada pode ler-se, finalmente, "Consulado de Portugal" 3º qualquer-letra (já não me lembro qual era, exactamente). De ambos os lados desse cubículo, e de forma quase perfeitamente simétrica, existem escadas e um elevador. O elevador tem em todo o lado menos no indicador de andar actual um ar 'normal/velho'. No mostrador do andar parece super moderno.
O terceiro andar tem um pequeno corredor cujo centro está marcado pelo elevador. Há 2 ou 3 portas. A do lado direito, fechada, tem uma placa prateada, dum tamanho pouco mais pequeno que o A4 do papel, com a esfera armilar rodeada por louros e a inscrição "Consulador de Portugal" e o horário de funcionamento. O horário foi corrigido duma forma muito rudimentar. Era preciso tocar à campaínha. O som da campaínha era o som normal de uma campaínha de uma casa. A porta não abriu de imediato. Começaram a ouvir-se passos atrás da porta. Imaginei alguém ainda meio despenteado, de chinelos e robe a abrir a porta. Na verdade, atendeu-me um senhor daqueles que põe os óculos na ponta do nariz para olhar por cima deles, barriguinha "à portuguesa", cerca de 60 anos e indumentária própria de senhor de 60 anos friorento. Esqueci-me de reparar se estava ou não de chinelos. Entrei e conversei com o senhor. Nunca saímos no hall de entrada. A alcatifa, verde-cinzento com ar velho combinava com o ar do senhor. E os panfletos espalhados em cima do móvel do hall também. Eram alusivos a vários museus e atracções turísticas de Portugal e pareciam velhotes. O senhor tinha uma voz mais ou menos grave e um pouco rouca. Era português e aquela parecia ser a sua casa. Foi estranho.