Nunca tinha andado à boleia (ou "à boleia da maneira moderna de andar à boleia"). Andei durante o fim-de-semana e gostei. Andar à boleia tem mais encantos que andar de comboio. E agora já sei.
Na Alemanha, o equivalente ao deboleia.com é muito popular. O link é mitfahrgelegenheit.de e é mesmo de confiança. Eu fiz, assim, Weimar-Munique, Munique-Colónia (num Audi!) e Colónia-Weimar (com um cão!) e gostei. A maior vantagem é que realmente dá para conhecer pessoas. As pessoas são obrigadas a falar umas com as outras, mesmo por uma questão de educação. E isso, obviamente, obriga a que se conheçam pessoas e traz muitas histórias para contar.
O rapaz que conduziu o carro em que fui até Munique era natural de Weimar. Foi uma novidade para mim conhecer pessoas mesmo de Weimar, por muito estranho que pareça. Mas até ele dizia que Weimar é uma cidade muito bonita e agradável desde que não se passe aqui demasiado tempo. Aliás, ele ia para Munique trabalhar porque já não conseguia estar muito tempo em Weimar. Eu fui para Munique porque já não conseguia estar mais em Weimar, estava a sentir-me claustrofóbica. (Mesmo agora, depois de voltar, continuo a sentir. Mas já só faltam 3 dias para deixar a cidade de Goethe, Schiller e da primeira Bauhaus.) Foi muito interessante ouvir pela primeira vez o testemunho de um verdadeiro "autóctone".
Além disso, o rapaz sabia falar espanhol, já tinha trabalhado em Dublin e tem contactos na Lufthansa.
Resultado da primeira viagem à boleia pela Alemanha: aposta ganha.
A viagem seguinte, Munique-Colónia, também teve muito que se lhe diga. A viagem foi feita num Audi preto conduzido por um rapaz novo um pouco azeiteiro muito orgulhoso do seu carro. Antes da viagem, para acertar pormenores e pontos de encontro falei com ele umas três vezes e em todas elas ele realçou que tinha um "black Audi". Personagem muito interessante.
O carro ia cheio. Além de mim e do condutor, iam 3 outras pessoas que formavam um grupo muito improvável: um DJ austriaco que conhece pessoalmente os Buraka Som Sistema, um senhor imigrante da Polónia com cerca de 50 anos e uma professora de Música muito simpática. Fascinante. O senhor DJ era especialista em bebidas brancas e chocolate. Falou desses dois temas durante pelo menos uma hora. E quando eu disse que os Buraka Som Sistema eram portugueses ele quase que me queria bater: "não são nada! eles são nigerianos!". Eu calei-me, assustada, e encolhi-me no banco.
O senhor polaco de 50 anos ficou, não em Colónia, como os restantes passageiros, mas numa cidade próxima de Frankfurt. Ontem, em conversa com uma das minhas compinchas erasmeiras vinda da Polónia fiquei a saber que essa é a região para onde emigram os Polacos que vêm para a Alemanha. O senhor, quando eu disse que era portuguesa, disse que conhecia uma cantora portuguesa dos anos 70 cujo nome não se lembrava mas que tinha uma música que soava a qualquer coisa como "no te pass, no te pass". Apeteceu-me rir às gargalhadas. Mas tive vergonha. Mais tarde, ainda durante a viagem, o senhor foi ao youtube com o seu telemóvel e encontrou o vídeo da música de que estava a falar. A música era espanhola e o vídeo, apaixonante. Super anos 70, quase eurovisivo. O que a senhora dizia, na realidade, era "no te vas, no te vas". Ser espanhola feriu um pouco o meu orgulho português, mas perdoei.
Antes de se lembrar do telemóvel e de dizer "incrível, o que se pode fazer hoje com a tecnologia", enquanto ouviamos no rádio um daqueles programas de 'músicas pedidas', ele lembrou-se de ligar para a rádio para pedir a tal música. Não é querido? Felizmente sempre que ele tentou o telefone estava impedido.
A senhora professora de música era uma pessoa muito interessante e super simpática. Tão simpática que no dia seguinte me andou a mostrar Colónia e a explicar o funcionamento da cidade. Por outras palavras, ela foi a minha guia turística. E (eu achava que isto era impossível na Alemanha) até me pagou um eiscafé! Com ela, ainda fui a um concerto de piano e violoncelo numa das mil igrejas de Colónia. Agora tenho o email dela e quase somos amigas.
Não é maravilhoso o que acontece quando se anda à boleia?
Na viagem seguinte, Colónia-Weimar iam o senhor condutor, operário frustrado, daqueles que tem opinião em relação a tudo e acha que o alemão deve ser impingido aos turistas. A certa altura recusou-se a falar inglês. O que até nem foi mau de todo para eu treinar o meu alemão básico. Se bem que, durante a viagem, o tempo que não passei a dormir, passei calada a ouvir a minha música. Sim, fui anti-social, mas com o meu pobre alemão pouco mais podia fazer.
As outras duas personagens no carro eram uma senhora com os dentes enegrecidos do tabaco, de cabelo com duas cores, mini saia e botas de cano alto que não falava inglês. E espero que esta descrição seja suficiente para esclarecer de que "tipo de pessoa" se tratava...
Havia ainda um senhor recentemente divorciado e um pouco traumatizado em relação ao divórcio que quase contou toda a história da sua vida, ou pelo menos as razões do seu divórcio. Porque contou em alemão só percebi metade, ainda assim, deu para perceber que os dois senhores se divertiram muito a falar mal das mulheres em geral. O que é interessante, pensando que ambos são homens da Europa de Leste, ou seja, homens que não se aproximam de mulheres e quase têm medo delas, homens que dizem duma mulher latina coisas como "ri-se demais e estabelece demasiado contacto, toca num homem demasiado, mesmo sem o conhecer bem".
Além das pessoas, também foi giro andar em auto-estradas sem portagens nem limites de velocidade, onde as pessoas realmente conduzem de acordo com as capacidades do seu "auto", e onde circulam carros de sítios tão diferentes como a Suécia, Reino Unido, Dinamarca, Roménia, Polónia ou Bélgica.
E pronto, depois desta análise quase sociológica das minhas experiências à boleia pela Alemanha, prometo para breve uma pequena descrição daquilo que foi "a Maura em Munique e em Colónia"...